Algures no estado do Arizona, nos Estados Unidos da América, constato que conduzo em linha reta há mais de 200 km. Algo impossível de fazer num país Europeu mas aqui tudo é raro, tudo é grande, tudo tem de ser feito com vontade. Observo um comboio que avança do lado direito da estrada em que circulo. Forte, gigante e imponente, circula por entre o ar seco do deserto e a contar comigo, não tem outra companhia neste local vazio do planeta. É ele ou eu, neste nada existencial! É neste estado de desamparo planetário que sinto um conforto estranho em mim. Um conforto resultante desta invasão visual do nada diante mim, uma sensação quase "armstrongiana" de dar um passo em solo morto e estar por conta própria. A mente divaga, embalada ao som do silêncio externo da paisagem árida. Sinto que encontro neste deserto fora de mim, um oásis interior de contentamento e felicidade nunca antes sentido. Um sonho antigo de viajar no deserto americano. Aproximo-me do Grand Canyon, desfiladeiro inóspito com mais de 4000 km², vários milhões de anos desde a sua formação, são 446 km de extensão, uma beleza arrebatadora, sublime e um local que põe em questão qualquer certeza face à vida quotidiana. Afinal, o que importa tudo aquilo que vemos diariamente, que significado têm as coisas que pensamos serem insubstituíveis, quem somos nós e o que fazemos neste planeta? Todas estas questões são colocadas em causa quando chegamos a este local, quase extra planetário. É assim tão importante a forma como queremos que os outros nos vejam? Será assim tão necessário ter este ou aquele bem material? Como posso eu ter certeza que de não vivo de outro modo quando vejo que nada do que eu, habitualmente sou, tenho ou faço, faz qualquer sentido neste desfiladeiro. Aqui, nada há a melhorar, nada há a alterar e nada há a inventar porque isso só estragaria. Aqui sinto realmente que há coisas que devem permanecer como são, então há que aceitar e viver com isso, obviamente da melhor forma possível. Inevitavelmente, dou por mim a fazer o paralelismo para o comportamento humano e forma como nos vemos. Acredito que devemos olhar-nos e fazer por ser melhores, “limar-mos” as arestas da nossa personalidade, relaxar-mos face às nossas ansiedades e dar “tréguas” aos nossos fantasmas mas devemos também aceitar-nos como somos, com o que temos e não inventar desejos ou buscas irrealistas que nos trarão apenas expectativas jamais alcançáveis. Acredito, ao olhar para este vazio de referências, que tal como aqui, também nós nos devemos adaptar a nós, sermos a nossa própria referência, olhar menos para nós e mais por nós. Aproveitar o momento presente, deixar de querer alterar o passado e viver tanto para o futuro. No fundo, tal como aqui, contemplação é o que deveríamos mais fazer. Olhar a vida com contemplação é dar valor à existência, é ser ponderado nas nossas escolhas, é desfrutar as emoções, é apreciar a vida que temos sem estar condicionado a ela e à história que já sabemos. Volto à minha condução neste deserto americano e faço-o com vontade porque assim este espaço o obriga. Sei que as experiências mais transcendentais da minha vida mental acontecem a viajar e conduzir é uma ação que sempre me permite achar soluções para os enigmas da vida. Assim, uma vez mais, desfaço na minha mente questões relativas, por exemplo, às profecias que auto cumprimos de ir ao encontro das expectativas dos outros. Essas questões são aqui, nesta reta sem fim, neste mar de nada, respondidas de uma forma muito clara. Não têm qualquer valor, são prisões mentais das quais aceitamos cumprir pena, mesmo sendo inocentes duma causa que não é nossa. A certeza de que devemos ser fiéis a nós e viver a vida com vontade é agora absoluta. O deserto é assim o limite das certezas impostas e a estrada é como a vida, aberta às soluções que se adequam às situações. Embalado novamente neste nada existencial, desperto ao ver a placa da estrada 66 (lendária Route 66), e lembro-me de um preceito budista que gosto particularmente de seguir e que assenta no acabar tudo o que anteriormente se iniciou. Sei que não posso trilhar até ao fim esta estrada cheia de história e desejada por tantos como eu, o tempo assim não mo permite, no entanto, ao idealizar esta viagem tracei como objetivo primordial encontrar-me ainda mais ou sedimentar o meu real Eu. Conheço-me bem mas quero saber mais, as arestas nunca estão limadas. O Desenvolvimento Pessoal é uma estrada com curvas e obstáculos mas encaro-o com gosto e com vontade. Sei que me esperam 10 horas de alcatrão quente e a estrada em linha reta continuará até ao destino final, ajeito-me no banco e conduzo com vontade porque sinto ter acabado de perceber mais da vida, mais de mim. Convido-o a si também, a percorrer este caminho de Desenvolvimento Pessoal, para que possa tirar cada vez melhor partido da sua vida. Marque a sua consulta de Psicoterapia e seja a melhor versão de si próprio (a). Espero por si para o(a) acompanhar nessa viagem. VIAJAR! PERDER PAÍSES! Viajar! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente! Não pertencer nem a mim! Ir em frente, ir a seguir A ausência de ter um fim, E a ânsia de o conseguir! Viajar assim é viagem. Mas faço-o sem ter de meu Mais que o sonho da passagem. O resto é só terra e céu. Fernando Pessoa
10 Comments
PaulaSouza
19/1/2018 02:56:36 pm
Gostei
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25/1/2018 11:31:58 am
Grato pelo seu comentário Paula.
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Eliana Ramos
4/2/2018 05:59:37 pm
Muito bom Dr João. Esse seu texto me fez viajar também. Considero fundamental essa viagem interna que torna tudo mais claro depois nas passagens da vida. Obrigada.
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4/2/2018 11:23:38 pm
Obrigado pelo seu feedback, Eliana!
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José S.
10/2/2018 03:41:17 am
Palavras bonitas João. Que maravilha. Forte abraço
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João Lagarelhos
10/2/2018 09:53:54 pm
Obrigado, José
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MSPereira
10/4/2018 05:44:45 pm
Eu adorei o seu relato, fez eu querer sair e explorar esse mundão. Obrigada pela partilha.
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João Lagarelhos
10/4/2018 07:16:43 pm
Obrigado pelo feedback tão positivo e motivador.
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Ana Catarina Silva
18/6/2018 08:22:12 pm
Woww que bonito. Deixe-me dizer-lhe que adorei. Apetece ler mais :) “conforto estranho em mim” (adorei)
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S. Fonseca
15/10/2018 10:15:58 pm
Delícia de história. Apetece ler mais e mais
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